sábado, 4 de junho de 2011

EROS E PSIQUE

EROS E PSIQUE


Conta a lenda que dormia

Uma Princesa encantada

A quem só despertaria

Um Infante, que viria

De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,

Vencer o mal e o bem,

Antes que, já libertado,

Deixasse o caminho errado

Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,

Se espera, dormindo espera,

Sonha em morte a sua vida,

E orna-lhe a fronte esquecida,

Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,

Sem saber que intuito tem,

Rompe o caminho fadado,

Ele dela é ignorado,

Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino

Ela dormindo encantada,

Ele buscando-a sem tino

Pelo processo divino

Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro

Tudo pela estrada fora,

E falso, ele vem seguro,

E vencendo estrada e muro,

Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,

À cabeça, em maresia,

Ergue a mão, e encontra hera,

E vê que ele mesmo era

A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 28 de junho de 2010

                 PENSAMENTOS DE JUNG

"Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou. Tudo o que nele
repousa aspira a tornar-se acontecimento, e a personalidade, por seu lado,
quer evoluir, a partir de suas condições inconscientes e experimentar-se
como totalidade".

"Minha vida foi singularmente pobre em acontecimentos exteriores. Sobre
estes não posso dizer muito, pois se me afiguram ocos e desprovidos de
consistência. Eu só me posso compreender à luz dos acontecimentos
interiores. São estes que constituem a peculiaridade de minha vida e é deles
que trata minha autobiografia".

"Acho que meus pensamentos giram em torno de Deus como os planetas em torno
do Sol, e são da mesma forma irresistivelmente atraídos por ele. Eu me
sentiria como o maior pecador querer opor uma resistência a esta força.
(...) compreendi que Deus - pelo menos para mim - era uma das experiências
mais imediatas".

"Todos os meus trabalhos, tudo o que criei no plano do espírito, vem das
imaginações e dos sonhos iniciais. Isso começou em 1912, há quase 50 anos...
Os anos durante os quais eu estava à escuta das imagens interiores, foram a
época mais importante da minha vida, durante a qual todas as coisas
essenciais se decidiram".

"Nenhuma circunstância exterior substitui a experiência interna. E é só à
luz dos acontecimentos internos que entendo a mim mesmo. São eles que
constituem a singularidade de minha vida".

"Só espero e desejo que ninguém se torne "junguiano". Eu não represento
nenhuma doutrina, mas descrevo fatos e apresento certos pontos de vista que
julgo merecedores de discussão. Critico na psicologia freudiana certa
estreiteza e preconceito, e nos "freudianos" certo espírito rígido e
sectário de intolerância e fanatismo. Não advogo nenhuma doutrina pronta e
fechada e abomino "partidários cegos". Deixo a cada um a liberdade de lidar
a seu modo com os fatos, pois eu também tomo esta liberdade para mim. "

"Minhas obras podem ser consideradas como estações de minha vida; constituem
a expressão do meu desenvolvimento interior, pois consagrar-se aos conteúdos
do inconsciente forma o homem e determina sua evolução, sua metamorfose.
Minha vida é minha ação, meu trabalho consagrado ao espírito é minha vida;
seria impossível separar um do outro. Todos os meus escritos são, de certa
forma, tarefas que me foram impostas de dentro. Nasceram sob pressão de um
destino. O que escrevi transbordou de minha interioridade. Cedi a palavra ao
espírito que me agitava. Nunca esperei que minha obra tivesse uma forte
ressonância. Ela representa uma compensação frente ao mundo contemporâneo em
que vivo e eu precisava dizer o que ninguém que ouvir.... Sabia que os
homens reagiriam com recusa, pois é difícil aceitar a compensação de seu
mundo consciente. Hoje posso dizer: é maravilhoso que tenha tido tanto
sucesso... Para mim, o essencial sempre foi dizer o que tinha a dizer. Minha
impressão é a de que fiz tudo o que me foi possível. Naturalmente poderia
ter sido mais e melhor, mas não em função da minha capacidade".


"Podemos, no estado de vigília, dar a palavra ao inconsciente, especialmente
pelas associações livres e pela imaginação ativa, mas 'as exteriorizações
específicas do inconsciente que surgem no consciente são os sonhos'".

"Há um tipo de homem que, na altura de responder a uma situação concreta,
recua primeiro um pouco (como se obedecesse a um 'Não' inaudível) e só
depois está apto a reagir; há outro tipo que, perante a mesma situação, tem
uma reação imediata, aparentemente convencido de que o seu comportamento
está evidentemente certo. O primeiro caracteriza-se, pois, por uma relação
de certo modo negativa com o objeto, ao passo que o segundo tipo se
caracteriza por uma relação positiva. O primeiro tipo corresponde à atitude
introvertida, e o segundo, à extrovertida".

"Durante o tratamento de doentes dos nervos, tratamento que constitui minha
atividade médica prática, tenho observado, de há muito, a existência na
psicologia humana, ao lado de múltiplas diferenças individuais diferenças
típicas: dois tipos atraíram minha atenção e eu os denominei, tipo
'introvertido' e tipo 'extrovertido'".

"A introversão num paciente normal, caracteriza-se por um natural reservado,
meditativo, facilmente hesitante, que não se comunica de bom grado,
esquiva-se facilmente diante dos objetos, vive quase sempre na defensiva e
se entrincheira prazerosamente por detrás de observações desconfiadas".

"A extroversão, num paciente igualmente normal, caracteriza-se por um
natural atencioso, aparentemente franco e serviçal, que aceita facilmente
todas as situações novas, que faz rapidamente novas relações e que se atira
freqüentemente ao desconhecido, sem cuidado e confiante, afastando
deliberadamente as objeções que podem surgir no espírito. No introvertido é
o paciente que, manifestando-se, desempenha o papel decisivo e no
extrovertido é o objeto".

"Podemos dizer, sem exagero, que a persona é o que alguém na realidade não
é, mas o que ele mesmo e os outros pensam que ele é".

"A anima é, presumivelmente, a representação psíquica da minoria de genes
femininos presentes no corpo do homem".

"Todo homem leva dentro de si a imagem eterna da mulher, não a imagem desta
ou daquela mulher em particular, mas sim uma bem definida imagem feminina.
Esta imagem é fundamentalmente inconsciente, um fator hereditário de origem
primordial gravado no sistema vivo e orgânico do homem, uma impressão ou
arquétipo de todas as experiências deixadas pela mulher... Sendo
inconsciente, tal imagem é sempre projetada na pessoa amada, e constitui um
dos principais motivos de atração apaixonada ou da aversão"

"Aquele que sabe não mais pode fazer recair este enorme peso de
significação, de responsabilidade e de dever, de céu e de inferno sobre
estes seres fracos e falíveis, dignos de amor, de indulgência, de
compreensão e de perdão, que nos foram dados como mães".

"Quando não é perturbada, a regressão não fica na mãe; vai mais além, para
alcançar, poderíamos dizer, um 'eterno feminino' pré-natal, o mundo original
das possibilidades arquetípicas no qual 'rodeado das imagens de toda
criatura', a criança divina espera cochilando tornar-se consciente".

"Eu sabia que havia chegado, com a mandala como expressão do Self, à
descoberta última à qual me seria dado chegar. Talvez outro chegue mais
longe, mas eu não".

"O Self só tem significação funcional quando pode agir como uma compensação
de uma consciência do ego. Se o ego se dissolve por identificação com o
Self, resulta uma espécie de vago super-homem dotado de um eu inchado, em
detrimento do Self".

"Não se pode cogitar de uma total extinção do ego, pois a sede da
consciência ficaria destruída, e o resultado seria uma completa
inconsciência'.

"O ego é dotado de um poder, de uma força criativa, conquista tardia da
humanidade, a que chamamos vontade".

"O ego, não sendo mais que o centro do campo da consciência, não se confunde
com a totalidade da psique; não é mais que um complexo entre outros muitos".

"Quanto mais predomina a razão crítica, mais a vida se empobrece; mas quanto
mais aptos formos a tornar consciente o que é inconsciente e o que é mito,
maior parcela de vida integraremos. Superestimar a razão tem algo em comum
com o poder absoluto do Estado: sob sua dominação, o indivíduo perece".

"O processo de desenvolvimento e diferenciação do consciente leva à
crucificação do ego".

"O inconsciente é a matriz de todas as afirmações metafísicas, de toda
mitologia e de toda filosofia - enquanto não sejam puramente críticas - e de
todas as expressões da vida fundadas sobre premissas psíquicas".

"Emprego a expressão 'individuação' para designar o processo pelo qual um
ser torna-se um indivíduo psicológico, isto é, uma unidade autônoma e
indivisível, uma totalidade".

"A individuação, o tornar-se si mesmo... é o problema da vida em geral".

"A individuação tem dois aspectos fundamentais; de um lado, é um processo
interno e subjetivo de integração; por outro lado, é um processo objetivo,
tão indispensável quanto de relacionamento com o outro. Ambos são
indispensáveis, se bem que estejam em primeiro plano, ora um, ora outro".

"Vindo a ser o indivíduo que é de fato, o homem não se torna egoísta no
sentido ordinário da palavra, mas está meramente realizando as
particularidades de sua natureza, e isso é enormemente diferente de egoísmo
ou individualismo".

"A energia do ponto central manifesta-se na compulsão quase irresistível
para levar o indivíduo a tornar-s aquilo que ele é, do mesmo modo que todo
organismo é impulsionado a assumir a forma característica de sua natureza,
sejam quais forem as circunstâncias".

"Podemos nos perguntar por que o ser se individualiza esse isso é desejável.
Respondo que não só é desejável, mas que é mesmo absolutamente
indispensável, pela excelente razão que sem a individualização, o ser
permanece numa condição de mistura e de confusão com o outro; neste estado,
desempenha ações que o põem em desacordo e em conflito consigo mesmo".

"O homem... não pode responder totalmente e de modo ideal às exigências da
necessidade externa senão quando está em sintonia consigo mesmo.
Inversamente, não pode adaptar-se à sua realidade interna, a não ser que
esteja adaptado, também, às condições do ambiente".

"Tem-se uma neurose por ignorar as leis fundamentais do corpo vivo, e ter-se
afastado delas".

"A terapia tem por objetivo reforçar a consciência".

"O principal objetivo da terapia psicológica não é transportar o paciente
para um impossível estado de felicidade, mas sim ajudá-lo a adquirir firmeza
e paciência diante do sofrimento. A vida acontece num equilíbrio entre a
alegria e a dor".

"Foi o velho Heráclito, que era na verdade um grande sábio, quem descobriu a
mais maravilhosa de todas as leis psicológicas: a função reguladora dos
contrários... um movimento de compensação, que para ele significava que mais
tarde ou mais cedo tudo se transforma no seu contrário".

"A transferência é um fenômeno natural em si, que não acontece só no
consultório médico, mas que se observa em todos os lugares".

"Libido deve ser o nome da energia que se manifesta no processo de vida e
que é percebida subjetivamente enquanto aspiração ou desejo".

"O inconsciente não é um monstro demoníaco; é um organismo natural,
indiferente sob os pontos de vista moral, estético e intelectual, que só se
torna realmente perigoso quando nossa atitude consciente a seu respeito é
desesperadamente falsa. Quanto mais nos recalcamos, mais se acusam os
perigos incursos de fato no inconsciente".

"Do mesmo modo que o corpo humano apresenta uma anatomia comum, sempre a
mesma, apesar de todas as diferenças raciais, assim também a psique possui
um substrato comum. Chamei a este substrato inconsciente coletivo. Na
qualidade de herança comum transcende todas as diferenças de cultura e de
atitudes conscientes, e não consiste meramente em conteúdos capazes de se
tornarem conscientes, mas em disposições latentes para reações idênticas.
Assim o inconsciente coletivo é simplesmente a expressão psíquica da
identidade da estrutura cerebral, independente de todas as diferenças
raciais".

"Existem tantos arquétipos quantas as situações típicas na vida. Uma
repetição infinita gravou estas experiências em nossa constituição psíquica,
não sob a forma de imagens saturadas de conteúdo, mas a princípio somente
como formas sem conteúdo que representam apenas a possibilidade de um certo
tipo de percepção e de ação".

"Uma imagem primordial (arquétipo) só é determinada quanto ao conteúdo
depois que se torna consciente e está, portanto, preenchida pelo material da
experiência consciente".

"As maiores e mais belas idéias da humanidade nascem dessas imagens
primordiais, que são como tantos outros planos de base. Já me perguntaram,
não raro, donde poderiam provir esses arquétipos ou imagens originais.
Parece-me impossível explicar sua formação sem admitir constituírem elas
como que a precipitação de experiências humanas, perpetuamente renovadas".

"O sonho é uma auto-representação espontânea, sob forma simbólica, da
situação do inconsciente".

"O sonho é aquilo que ele é, inteiramente e unicamente aquilo que é; não uma
fachada, não é algo pré-arranjado, um disfarce qualquer, mas uma construção
completamente realizada".

"Os sonhos algumas vezes podem revelar certas situações muito antes de elas
realmente acontecerem".

"O sonho é coisa viva. Não é de modo algum coisa morta que soe como papel
seco machucado. É uma situação existente, é como um animal com antenas ou
com numerosos cordões umbilicais".

"O fiel não pode contestar o fato de que há "somnia a Deo missa"(sonhos
enviados por Deus) e iluminações da alma impossíveis de serem remetidas a
causas externas. Seria uma blasfêmia afirmar que Deus pode se manifestar em
toda a parte, menos na alma humana".

"Os sonhos se comportam como compensações da situação consciente que os viu
nascer... Um elemento inconsciente compensador se amplia intensamente,
quando há uma importância vital para a orientação da consciência".

"A função usual dos sonhos é a de procurar restaurar o nosso equilíbrio
psicológico de modo a produzir um material onírico que restabelece... o
equilíbrio psíquico total".

"...nos esquecemos do fato milenar de que Deus nos fala sobretudo através de
sonhos...".

"Os sonhos fornecem informações extremamente interessantes a quem se
empenhar em compreender o seu simbolismo. O resultado, é verdade, pouco tem
a ver com preocupações mundanas como comprar e vender. Mas o sentido da vida
não é explicado pelos negócios que se fez, assim como os desejos profundos
do coração não são satisfeitos por uma conta bancária".

"O processo da civilização consiste numa domação progressiva de tudo quanto
há de animalidade no homem"

"Desde que experimento meu encontro com um poder superior dentro de meu
próprio sistema psíquico, eu tenho conhecimento de Deus".

"Uma vez que o fenômeno religioso apresenta um aspecto psicológico muito
importante, trato este tema sob um ponto de vista puramente empírico, o que
quer dizer que me limito à observação dos fenômenos, abstendo-me, de modo
absoluto, de encara-los metafísica ou filosoficamente. Não contesto, de
forma alguma, o valor desta maneira de agir, mas não sinto nenhuma aptidão
para us-a-la convenientemente".

"Os indivíduos não chegam a uma total autocompreensão enquanto não aceitam
seus sentimentos religiosos".

"Tudo o que aprendi levou-me, passo a passo, a uma inabalável convicção
sobre a existência de Deus. Eu só acredito naquilo que sei. E isso elimina a
crença. Portanto, não baseio a Sua existência na crença ... eu 'sei' que Ele
existe".

"Faço meus pacientes entenderem que tudo o que lhes acontece contra a
vontade deles é fruto de uma vontade superior. (...) Deus nada mais é do que
essa força superior em nossa vida".

"Tratando-se de um estado subjetivo, cuja existência não pode ser legitimada
por nenhum critério exterior, nenhuma tentativa posterior de descrição e
explicação será bem sucedida, pois só quem fez tal experiência poderá
compreender e testemunhar tal realidade. A "felicidade", por exemplo, é uma
realidade importante e não há quem não a deseje; no entanto, não há qualquer
critério objetivo para testemunhar a existência indubitável dessa realidade.
Assim, justamente nas coisas mais importantes é que devemos contentar-nos
com nosso julgamento subjetivo".

"O homem necessita de uma vida simbólica ... Mas não temos vida simbólica
... Acaso vocês dispõem de um canto em algum lugar de suas casas onde
realizam ritos, como acontece na Índia? Mesmo as casas mais simples daquele
país têm pelo menos um canto fechado por uma cortina no qual os membros da
família podem viver a vida simbólica, podem fazer seus novos votos ou
meditar. Nós não temos isso ... Não temos tempo, nem lugar ... Só a vida
simbólica pode exprimir a necessidade do espírito - a necessidade diária do
espírito, não se esqueçam! E como não dispõem disso, as pessoas jamais podem
libertar-se desse moinho - dessa vida angustiante, esmagadora e banal em que
as pessoas são 'nada senão'".